Fazenda Campos Novos e a Igreja de Santo Inácio

Trata—se de imóvel construído pela Companhia de Jesus, cujo início remonta a um curral de gado levantado em c. 1690. Situa—se no distrito de Tamoios, Cabo Frio (RJ), numa elevação a cavaleiro da planície pantanosa dos rios Una e São João e junto ao antigo caminho colonial que ligava Campos dos Goitacazes ao Rio de Janeiro.

Em 1623, após as fundações da Cidade de Cabo Frio (1615) e da Aldeia de Índios de São Pedro (1617), os jesuítas receberam duas grandes doações de terras na região - as sesmarias do Rio Una e Búzios -, das quais deveriam escolher uma, enquanto a porção rejeitada reverteria ao patrimônio público. No mesmo ano, os beneditinos receberam uma quadra na Cidade e uma sesmaria rural situada próxima a terra dos jesuítas no Rio Una.

A princípio, a Companhia fingiu desconhecer a obrigação da escolha: os índios de São Pedro, sob orientação espiritual e administrativa dos jesuítas, tanto roçavam e pescavam em Búzios quanto frequentavam as terras do Rio Una — para coletarem hastes de tucum necessárias as suas flechas. Neste tempo, alguns comerciantes do Rio de Janeiro acusaram os jesuítas da derrubada de florestas do Una, com o objetivo de abrirem pastos para o gado e traficarem pau-brasil com os franceses na Baía Formosa.

Quando os frades de São Bento construíram um curral de gado próximo ao Rio Una, a resposta dos jesuítas foi violenta: armaram bandidos que incendiaram as benfeitorias e a sede da fazenda beneditina, localizada junto a área em discussão. No final do século XVII, após prolongadas disputas judiciais e até mesmo uma ameaça de excomunhão aos autores do crime, os jesuítas desistiram da posse de Búzios e tornaram—se proprietários das terras do Rio Una, com base no senso prático mercantil que sempre orientou as atividades da Companhia no Brasil.

Neste final do século XVII, a criação de gado desenvolvida na fazenda dos jesuítas nos Campos dos Goitacazes começou a dar bom resultado. Grandes boiadas seguiam pela restingas de São João da Barra e Quissamã, passavam pela fazenda da Companhia em Macaé, e, a partir da travessia do Rio São João em Cabo Frio, eram tocadas por precários caminhos que se afastavam do litoral em Araruama. Daí, alcançavam Rio Bonito, Itaboraí e São Gonçalo, depois contornavam a Baía da Guanabara e atingiam a Cidade do Rio de Janeiro. Após o abate das reses, a carne verde abastecia os açougues cariocas e, parte dela, era seca ao sol ou salgada, para envio em lombo de burro às primeiras lavras de ouro nas Minas Gerais.

Considerando que a sesmarias dos jesuítas, junto ao Rio Una, situava—se no meio do caminho entre os Campos dos Goitacazes e a Cidade do Rio de Janeiro, esses religiosos planejaram estabelecer uma fazenda de criação de gado na planície cabofriense, com o mesmo objetivo da sua empresa no norte fluminense. E que, possivelmente, servisse como “invernada” para descanso e engorda das boiadas campistas, afim de que pudessem chegar com maior peso e valor no principal centro de consumo do sudeste brasileiro.

Presume—se que o assentamento da fazenda teve início pela queimada e derrubada das florestas próximas ao Rio Una, que deram lugar aos campos plantados com gramíneas para pastagem de gado, simultaneamente, a construção do curral e ao cultivo de roça de subsistência.

Ainda em 1690, os jesuítas levantaram a "Residência e a Igreja de Santo Inácio", batizando a propriedade como Fazenda Campos Novos para diferenciá-la do estabelecimento similar campista. Logo, o negócio mostrou—se promissor: 1.500 cabeças de gado eram criadas e guardadas por apenas dois escravos africanos.

Em 1722, os jesuítas venderam parte da Fazenda Macaé e investiram o dinheiro em Campos Novos. Sob a orientação do Reitor Padre Luiz de Carvalho, saneou—se parte da planície pantanosa e construiu—se canal de navegação com uma légua de comprimento, para exportação de toros de madeira-de-lei e da grande produção de uma agricultura diversificada até o Rio de Janeiro, em especial, da farinha de mandioca, através de lanchas que rompiam a barra do Rio Una. É provável que, o investimento na ampliação da produção agropecuária se justificasse pelo abastecimento de gêneros alimentícios a recém-inaugurada Armação de Baleias de Búzios e pela grande demanda de carne necessária às múltiplas lavras de ouro nas Minas Gerais, que passaram a funcionar neste período.

Um relatório da Companhia de Jesus em 1741, registrou que a fazenda "ainda não tinha chegado a última perfeição, mas nos seus vastíssimos campos poderiam pastar mais de 20 .000 cabeças de gado”. Todavia, em 1756, os jesuítas foram acusados de atividades revolucionarias na América portuguesa e espanhola. O processo criminal contra os religiosos da Aldeia de Índios de São Pedro e da Fazenda Campos Novos (padres Atanásio Gomes e Diogo Teixeira, além do irmão Manuel Francisco), referia—se a roubos, falta de religiosidade e até um atentado sexual.

Seguiu-se a prisão destes jesuítas, sua transferência para o Rio de Janeiro e o embarque para Lisboa, onde muitos morreram no cárcere. A propriedade rural foi confiscada pelo governo português, rebatizada como “Fazenda d'El Rey” e, em 1759, colocada em hasta pública e arrematada pelo fazendeiro Manoel Pereira Gonçalves.

Embora as acusações contra os jesuítas nunca fossem comprovadas a memória do povo continuou a lembrar da riqueza que desfrutavam, se comparada a extrema indigência dos escravos que lhes serviam e a pobreza das populações vizinhas. Uma tradição oral recolhida no Distrito de Tamoios, Cabo Frio, relata que, momentos antes da prisão, os jesuítas de Campos Novos, com ajuda de dois escravos, enterraram uma imagem de Santo Inácio de ouro para esconde-la de seus captores, e mataram os auxiliares negros, a fim de não revelarem o sitio do tesouro. Outra tradição refere-se aos perigos e a violência da época dos jesuítas: haveria um túnel que saia da igreja e ia até o curral, para fugas de emergência.

Supõe-se que, após a Independência, a Fazenda Campos Novos foi vendida pelo Governo Imperial e deixou de pertencer ao patrimônio público, embora uma tradição oral afirme que sua escritura pertencia a Santo Inácio, ficando cravada nos pés da imagem do padroeiro e alguém a roubou, daí começando a grilagem das terras. Até meados do século XIX, o estabelecimento rural mais importante de Cabo Frio, embora decadente, manteve—se com relativo prestigio, conforme as referências no livro de Saint—Hilaire. Na fazenda, almoçou e descansou D. Pedro II (e sua comitiva), vindo de Campos a caminho da Cidade de Cabo Frio em 1847, quando foi recebido com vivas de saudações pelo povo e por girandolas que subiram ao ar, encomendadas por seu proprietário, Reverendo Joaquim Gonçalves Porto.

Entre meados do século XVIII e XIX, há notícias intermitentes sobre fugas de escravos e a existência de quilombos em Cabo Frio. É possível que, parte desses redutos de liberdade negra, se abrigassem nas florestas e pântanos situados nos confins da Fazenda Campos Novos. O antigo latifúndio dos jesuítas media três léguas de testada pelo mar por três léguas em quadra pelo sertão e havia reduzido suas atividades agropecuária em função do esgotamento das lavras mineiras, no final do século XVIII, embora continuasse a exportar farinha de mandioca e madeira-de-lei (vinhático, araubá, cedro, cerejeira, canela, copaíba, pinhoa, sapucaia, peroba, guarabú, maçaranduba, ipê, arco—de—pipa, sucupira, jequiá, apu—ferro, pau-brasil, etc.).

A repressão ao tráfico de escravos africanos executada por navios ingleses na costa brasileira a partir da Independência, multiplicou os portos clandestinos de desembarque desse comercio infame na região sudeste. Os fazendeiros exigiam novos braços escravos para substituição da cana—de—açúcar pela cultura do café em alta no mercado internacional e que se expandia pela planície litorânea e pelos primeiros contrafortes da serra fluminense. A Fazenda Campos Novos, favorecida pela proximidade dos portos clandestinos da Baia Formosa e de Búzios, como muitas propriedades rurais de Cabo Frio, derrubou florestas e plantou café. Mas, em 1856, teve que construir enfermarias para tratar os doentes de uma epidemia de cólera, provavelmente, trazida pelos africanos desembarcados por navios negreiros.

A proibição imperial ao tráfico transatlântico de escravos em 1860, embora aumentasse o patrulhamento naval na região sudeste brasileira, consolidou os portos clandestinos de desembarque de africanos na Província do Rio de Janeiro (e em Cabo Frio). Os fazendeiros continuaram a exigir novos braços escravos para atender a renovada agro—indústria açucareira, que introduziu usinas a vapor no norte fluminense, e ao vigoroso desenvolvimento da cultura cafeeira na serra. A decadência da monocultura do café na planície litorânea estagnou muitas fazendas de Cabo Frio, a ponto de faltar farinha de mandioca para consumo e obrigando sua importação do Rio de Janeiro para atender ao clamor público.

Mas não faltaram africanos: os portos clandestinos da praia de Jose Gonçalves, em Búzios, e do “desemboque" na Rasa, junto a ponta do Pai Vitorio, mantiveram-se ativos. Presume-se que, a recuperação física dos rigores enfrentados durante a navegação, o transporte terrestre e a venda final dos escravos não seriam possíveis sem a intermediação dos proprietários da Fazenda Campos Novos.

Em 1889, a Lei Aurea aboliu a escravidão no Brasil. A Fazenda Campos Novos adaptou—se a nova situação econômica-social transformando a maioria das suas áreas cultiváveis em pasto para gado e incentivando muitos libertos a permaneceram nas áreas de Gargoá, Boca da Vala, Botafogo e Caveiras, como lavradores de mandioca.

Segunda o depoimento de uma descendente destes negros Bantos, D. Rosa Geralda da Silveira, “todos ficaram livres, mas fazendo um trabalha escravo”, embora depois, alguns conseguissem fugir dos “supostos donos" da fazenda, Sr. Silvio e Sr. Fritz.