Forte São Matheus

É provável que a primeira fortaleza—feitoria portuguesa para tráfico de pau—brasil nas novas terras do Atlântico Sul estava localizada numa ilhota rochosa junto ao porto da Lagoa de Araruama. O estabelecimento colonial pioneiro funcionou de 1503 a 1512, sendo destruído pelos índios Tupinambá que mataram e comeram seus ocupantes. A partir de 1540, os franceses começaram a frequentar o porto da barra de Araruama, em busca do pau-brasil abundante na margem continental da lagoa. Marinheiros foram deixados em terra para aprenderem a língua Tupi guarani e servirem como interpretes na contratação e execução dos serviços indígenas de corte, “alimpadura" e transporte terrestre do pau-brasil até os botes franceses, que levavam os troncos aos porões dos navios.

Em 1548, já eram oito viagens francesas por ano que carregavam pau-brasil no porto da Araruama, capaz de abrigar cinco navios de 200 toneis. Em 1556, um ano depois dos franceses se estabelecerem na Guanabara, os armadores da Cidade de Rouen construíram uma fortaleza-feitoria na mesma ilhota rochosa junto ao porto da barra que os portugueses utilizaram anteriormente. O estabelecimento francês, conhecido como "Casa da Pedra” funcionou durante 20 anos. Em 1575, foi cercado e arrasado por tropas portuguesas e indígenas do Rio de Janeiro que depois penetraram no interior, matando ou escravizando mais de 20.000 Tupinambás. Horrorizados, os sobreviventes refugiaram-se na Serra do Mar, porém os portugueses não ocuparam a região que se transformou num deserto humano.

Após 1580, com a perda da independência portuguesa para a Espanha, tornou-se habitual a presença impune de navios franceses, holandeses e ingleses, inimigos dos castelhanos, carregando pau-brasil no porto da barra da Araruama, apesar do bloqueio naval de Cabo Frio imposto a partir do Rio de Janeiro, que por vezes obtinha algumas vitorias expressivas. Em 1615, os portugueses redobraram a vigilância militar sobre Cabo Frio. A primeira expedição foi comandada por Constantino Menelao, Governador do Rio de Janeiro, que aprisionou uma nau francesa em meados deste ano. Na segunda, Menelao — sócio secreto dos que traficavam pau-brasil em Cabo Frio — recebeu ordem real para combatê-los em setembro do mesmo ano. O Governador escreveu que, ao chegar no porto da barra de Araruama, estranhamente, as cinco naus já haviam fugido. Observou muito pau-brasil cortado nas matas, tomou a fortaleza-feitoria que os ingleses construíram na ilhota rochosa junto ao porto (utilizada anteriormente por portugueses e franceses) e destruiu algumas casas fortificadas no morro fronteiro do norte.

De volta ao Rio de Janeiro, Menelao encontrou outra ordem real para retornar a Cabo Frio e fundar uma povoação que defendesse a Costa. Com o apoio de alguns portugueses e 400 índios de Sepetiba, o Governador dirigiu—se ao porto da barra da Araruama, arrasou o estabelecimento militar—comercial inglês, construiu em seu lugar a Fortaleza de Santo Inácio - guarnecida com 12 soldados e 7 canhões de bronze - mandou assentar uma aldeia de índios catequizados na Ponta de Búzios (que nunca se concretizou) e fundou a Cidade de Santa Helena do Cabo Frio, em 13 novembro de 1615. Presume-se que a povoação de Cabo Frio era uma cidade para inglês ver, pois fora assentada no mesmo sitio da Fortaleza de Santo Inácio, na mesma ilhota rochosa junto ao porto da barra de Araruama, que portugueses, franceses e ingleses utilizaram anteriormente. A “Memória Histórica (...) de 1797” responsabiliza Menelao por outra fraude em 1615: “mandou, por votos de todos que o acompanhavam, tapar a barra com pedra (...), sem refletir, que nessa resolução causaria dano, mais considerável para futuro dos 18 moradores (...), e a todos que procurassem pela navegação a necessária exportação. Ainda em 1617, Martim de Sá, que considerava a Fortaleza de Santo Inácio fácil de ser conquistada por naus inimigas, prosseguiu as gestões administrativas para desmonta-la e construir um novo forte em Cabo Frio. D. Luiz de Souza, Governador do Brasil, após consultar Lisboa, aprovou o projeto e transferiu a responsabilidade das obras para Martim de Sá em 1618.

Uma carta do superior da Aldeia de Índios de São Pedro enviada ao Governador do Brasil em 1620, revelou que a nova fortificação de Cabo Frio já estava em funcionamento nesse ano. Nela, Estevão Gomes abrigava provisoriamente algumas famílias Goitacazes que logo seriam transferidas para o estabelecimento dos jesuítas. No mapa “Terra de Cabo Frio“ (anônimo, c.1625), observa—se o forte velho localizado junto ao porto da Araruama e o novo próximo a praia (numa ilhota mais elevada, a cavaleiro da barra). Presume—se que o material de construção reaproveitável (pedras, madeiras e telhas), os sete canhões de bronze e os 12 soldados da antiga fortaleza de Santo Inácio fossem remanejados para obra, armamento e guarnição do novo Forte São Matheus. O nome de batismo em homenagem ao evangelista talvez deva ser creditado a data de comemoração de São Matheus no calendário cristão, 27 de setembro, dia da vitória portuguesa sobre os franceses da “Casa de Pedra” em 1575, que resultou no massacre ou escravidão de cerca de 20 .000 Tupinambás.

Em 1648, o Governador do Rio de Janeiro, Salvador Correia de Sá, a pretexto de combater os holandeses em Angola, retirou os canhões e a guarnição do Forte São Matheus, abandonando os 24 moradores que permaneceram na cidade de Cabo Frio a sua própria sorte. A instalação da Câmara, Cadeia e Igreja Matriz no atual centro urbano, entre 1660 e 1661, leva a crer que as autoridades de Cabo Frio e do Rio de Janeiro tenham novamente armado e guarnecido o Forte São Matheus para defesa da Cidade ressurgente. Durante o século XVIII, o Forte São Matheus estava armado com sete canhões, um de 12 polegadas, quatro de seis e dois de oito, sendo que o maior achava—se arruinado no final desse período. Ainda, segundo o autor anônimo da "Memoria Histórica (...) de 1797" a guarnição da fortaleza compunha—se de “um oficial e sete soldados, destes um era de cavalaria e todos eram sujeitos as ordens de um oficial do terço, ou regimento de milícia de Cabo Frio".

Em 1818, o naturalista Saint—Hilaire descreveu o Forte São Matheus como uma "mesquinha casa a que é dado o nome pomposo de fortaleza. Estava “guardado por seis soldados da milícia que se renovam de quinze em quinze dias, e são mandados por um simples cabo. Este é obrigado a dar aviso ao coronel do distrito, da entrada e saída de embarcações que passam pelo ancoradouro”. Porém, o Imperador D. Pedro II, comandante—chefe das forças militares brasileiras, ao visitar a Cidade de Cabo Frio em 1847, fez questão de conhecer o invicto Forte São Matheus, “onde foi recebido com uma salva imperial de artilharia” e recepcionado pelo “Tenente Francisco José da Silva”. Antes de ser deposto em 1889, o Imperador promoveu o rearmamento das fortalezas brasileiras, encomendando grande quantidade de peças de artilharia, entre elas, cinco canhões de ferro de grosso calibre até hoje existentes no Forte São Matheus.

Do início do século XVIII ao final do XIX, foram feitas algumas modificações na planta da fortaleza, mas conservou—se o uso militar na defesa da Cidade de Cabo Frio e do porto lacunar - quase único escoadouro da produção regional para o Rio de Janeiro. Em 1899, o Forte São Matheus passou a ser usado pelas autoridades municipais como "lazareto", abrigando doentes terminais das graves epidemias que assolavam Cabo Frio a época. Décadas mais tarde, sem manutenção, o Forte São Matheus foi abandonado e já se encontrava em ruinas no final dos anos 30. O aumento das correntes turísticas para Cabo Frio no início da década de 60, carreou alguns investimentos públicos na superestrutura receptiva da Cidade.